sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

III Capítulo

O HOMEM MUITO RICO

O Homem Muito Rico não tinha nem mulher, nem filhos, nem amigos. Só tinha criados.

A casa dele ficava no meio dum jardim muito bem tratado, com relva, arbustos, flores e ruas de areia.

Oriana deu a volta à casa para ver por onde é que havia de entrar. As portas estavam todas fechadas à chave e Oriana não as podia abrir. Porque em casa do Homem Muito Rico as fechaduras eram tão caras que nem uma varinha de condão as podia abrir. Mas havia uma janela aberta. Era a janela da sala. Oriana espreitou e viu que na sala não estava pessoa nenhuma. Só lá estavam as coisas. Mas reinava uma atmosfera de grande má disposição. Os sofás e as cadeiras davam cotoveladas uns nos outros, as cómodas davam coices nas paredes, as jarras

diziam ás caixas e aos cinzeiros que não as apertassem, e as flores diziam:

- Não posso mais, não posso mais, falta-me o ar!

A sala estava cheia como um ovo. Oriana entrou e as coisas puseram-se todas a falar ao mesmo

tempo.

- Oriana, Oriana, tira-nos daqui - gritavam as flores.

- Oriana, diz à jarra que não me empurre - pediu a caixa.

- Or¡ana, diz à mesa que não me pise com tanta for‡a - pediu o tapete.

- Oriana, diz ao sofá que não me dê cotoveladas - pediu a cadeira.

- Oriana, diz ao biombo que se chegue para lá - pediu a parede.

- Oriana - pediu o espelho -, tira-me daqui. Eu estou sempre a ver, vejo tudo. Esta sala cheia de coisas, esta sala sem espaço, sem vazio, sem largueza, cansa e magoa os meus olhos

de vidro.

- Sosseguem, acalmem-se, não falem todos ao mesmo tempo - pediu a fada.

Então as coisas calaram-se todas e depois a mesa disse:

- Oriana, não podemos estar aqui. Não cabemos nesta sala.

Nesta sala há coisas de mais. Estamos todos apertadíssimos. E somos coisas com feitios diferentes e não nos entendemos bem.

Eu sou uma mesa antiquíssima; estava na sala de jantar dum convento. Eu sou comprida, mas a sala era grande e eu cabia lá bem porque, além de mim, só lá estavam os bancos. Aqui sinto-me muito mal. As coisas estão sempre a dar-me encontrões. Há uma grande embirração entre mim e o sofá doirado. Eu sou toda lisa, ele é todo feito de torcidos. Não nos podemos entender. Eu sou uma mesa de convento, fiz voto de pobreza, não posso viver nesta sala. Oriana, toca-me com a tua varinha de condão e faz-me ir pelos ares para o meu convento.


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