quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

II Capítulo


ORIANA

Era uma vez uma fada chamada Oriana. Era uma fada boa e era muito bonita. Vivia livre, alegre e feliz dançando nos campos,nos montes, nos bosques, nos jardins e nas praias.
Um dia a Rainha das Fadas chamou-a e disse-lhe:
- Oriana, vem comigo.
E voaram as duas por cima de planícies, lagos e montanhas. Até chegarem a um país onde havia uma grande floresta.
- Oriana - disse a Rainha das Fadas -, entrego-te esta floresta. Todos os
homens, animais e plantas que aqui vivem, de hoje em diante, ficam à tua guarda. Tu és a fada desta floresta. Promete-me que nunca a hás-de abandonar.
Oriana disse:
- Prometo.
E daí em diante, Oriana ficou a morar na floresta. De noite dormia dentro do tronco de um carvalho. De manhã acordava muito cedo, acordava ainda antes das flores e dos pássaros. O seu relógio era o primeiro raio de sol. Porque tinha muito que fazer. Na floresta todos precisavam dela. Era ela que prevenia os coelhos e os veados da chegada dos caçadores. Era ela que regava as flores com orvalho.
Era ela que tomava contados onze filhos do moleiro. Era ela que libertava os pássaros que tinham caído nas ratoeiras.
À noite, quando todos dormiam, Oriana ia para os prados dançar com as outras fadas. Ou então voava sozinha por cima da floresta e, abrindo as suas asas, ficava parada, suspensa no ar entre a terra e o céu.À roda da floresta havia campos e montanhas adormecidos e cheios de silêncio. Ao longe viam-seas luzes de uma cidade debruçada sobre o seu rio. De dia e vista de perto a cidade era escura, feia e triste. Mas à noite a cidade brilhava cheia de luzes verdes, roxas, amarelas, azuis, vermelhas e lilases, como se nela houvesse uma festa.
Parecia feita de opalas, de rubis, de brilhantes, de esmeraldas e de safiras.
Passou um Verão, passou um Outono, passou um Inverno. E chegou a Primavera. E certa manhã de Abril, Oriana acordou ainda mais cedo do que o costume. Mal o primeiro raio de sol entrou na floresta, ela saiu de dentro do tronco do carvalho onde dormia. Respirou fundo os perfumes da madrugada e fez uns passos de dança. Depois penteou os cabelos com os dedos das mãos a fazerem de pente e lavou a cara com orvalho.
- Que manhã tão bonita! - disse ela. - Nunca vi uma manhã tão azul, tão verde, tão fresca e tão doirada.
E foi pela floresta fora dançando e dizendo bom-dia às coisas.
Primeiro acordaram as árvores, depois os galos, depois os pássaros, depois as flores, depois os coelhos, depois os veados e as raposas. A seguir, começaram a acordar os homens. Então Oriana foi visitar a velha.
Era uma velha muito velha que vivia numa casa velhíssima. E dentro da casa só havia trapos, móveis partidos e loiça rachada. Oriana espreitou pela janela que não tinha vidro. A velha estava a arrumar a casa e enquanto trabalhava falava sozinha, dizendo:
- Que negra vida, que negra vida! Estou tão velha como o tempo e ainda preciso de trabalhar. E não tenho nem filho nem filha que me ajude. Se não fossem as fadas que seria de mim?
"Quando eu era pequena brincava na floresta e os animais, as folhas e as flores brincavam comigo. A minha mãe penteava os meus cabelos e punha uma fita a dançar no meu vestido. Agora, se não fossem as fadas, que seria de mim?
"Quando eu era nova ria o dia todo. Nos bailes dançava sempre sem parar. Tinha muito mais do que cem amigos. Agora sou velha, não tenho ninguém. Se não fossem as fadas que seria de mim?
"Quando eu era nova tinha namorados que me diziam que eu era linda, e me atiravam cravos quando eu passava. Agora os garotos correm atrás de mim, chamam-me "velha", "velha", e atiram-me pedras. Se não fossem as fadas que seria de mim? " Quando eu era nova tinha um palácio, vestidos de seda, aios e lacaios. Agora estou velha e não tenho nada. Se não fossem as fadas que seria de mim? "
Oriana ouvia esta lamentação todas as manhãs e todas as manhãs ficava triste, cheia de pena da velha, tão curvada,tão enrugada e tão sozinha, que passava os dias inteiros a resmungar e a suspirar.
As fadas só se mostram às crianças, aos animais, às árvores e às flores. Por isso a velha nunca via Oriana; mas, embora não a visse, sabia que ela estava ali, pronta a ajudá-la. Depois de ter varrido a casa, a velha acendeu o lume e pôs água a ferver. Abriu a lata do café e disse:
- Não tenho café.
Oriana tocou com a sua varinha de condão na lata e a lata encheu-se de café.
A velha fez o café e depois pegou na caneca do leite e disse:
- Não tenho leite.
Oriana tocou com a sua varinha de condão na caneca e a caneca encheu-se de leite.
A velha pegou no açucareiro e disse:
- Não tenho açúcar.
Oriana tocou com a varinha de condão no açucareiro e o açucareiro encheu-se de açúcar.
A velha abriu a gaveta do pão e disse:
- Não tenho pão.
Oriana tocou com a varinha de condão na gaveta e dentro da gaveta apareceu um pão com manteiga.
A velha pegou no pão e disse:
- Se não fossem as fadas que seria de mim!
E Oriana, ouvindo-a, sorriu.
A velha comeu, bebeu e no fim suspirou.
- Agora tenho de ir ao meu trabalho.
O trabalho da velha era apanhar ramos secos que depois ia vender à cidade. E todas as manhãs Oriana a ajudava a apanhar os ramos e todas as manhãs a guiava até à cidade, pois a velha via muito mal e
o caminho que ia da floresta para a cidade passava ao lado de
grandes abismos, onde a velha poderia cair se a fada não a
guiasse.
E assim nessa manhã de Abril, Oriana e a velha foram as duas
pela estrada fora, a velha toda curvada, encostada a um pau, e
Oriana voando no ar como uma borboleta. E sem que a velha a
visse, a fada segurava o feixe de lenha para que ele pesasse
menos sobre as costas dobradas.
Quando chegaram à cidade, a velha foi de porta em porta vender
a lenha e Oriana voou para cima de um telhado, onde se sentou
a ver a cidade, à espera da sua amiga. Enquanto esperava,
começou a conversar com as andorinhas:
- Os países distantes são maravilhosos - diziam as andorinhas.
- Contem, contem - pediu Oriana.
- O rei do Sião tem um palácio com um telhado de oiro e na
China há torres de porcelana - disse uma andorinha.
- Na Oceânia há ilhas de coral cobertas de relva e palmeiras.
E nessas ilhas as pessoas vestem-se com flores e sáo todas
bonitas, boas e felizes - disse outra andorinha.
- Os cangurus têm uma algibeira para guardar os filhos e o rei
do Tibete sabe ler o pensamento de todos os homens - disse outra andorinha.
- No alto das montanhas dos Andes há cidades abandonadas, onde só vivem águias e serpentes - disse outra andorinha.
- Que maravilha! Contem tudo - pediu Oriana.
- Não se pode contar tudo - responderam as andorinhas. - As
maravilhas do mundo são tantas, tantas! Mas vem connosco,
Oriana. Quando vier o Outono nós partimos. Tu também tens duas
asas. Vem connosco.
Mas Oriana olhou o vasto céu redondo e transparente, suspirou
e respondeu:
- Não posso ir. Os homens, os animais e as plantas da
floresta precisam de mim.
- Mas tu tens duas asas, Oriana. Podes voar por cima dos
oceanos e das montanhas. Podes ir ao outro lado do Mundo. Há
sempre mais e mais espaço. Imagina como seria bom se viesses.
Podias voar muito alto, por cima das nuvens, ou podias voar
rente ao mar azul, mergulhando a ponta dos teus pés na água
fria das ondas. E podias voar por cima das florestas virgens,
e respirar o perfume das flores e dos frutos desconhecidos.
Vias as cidades, os montes, os rios, os desertos e os oásis.
No meio do grande Oceano há ilhas pequeninas com praias de
areia branca e fina. Ali, nas noites de luar, tudo fica azul,
parado e prateado. Imagina estas coisas, Oriana.
Mas Oriana, olhando o alto céu e as nuvens vagabundas,
suspirou e disse:
- Imagino o que seria da velha sem mim quando ela acordasse
numa manhã fria de Inverno e não encontrasse nem o pão nem o
leite.
- Vem connosco, Oriana - tornaram a pedir as andorinhas.
- Eu prometi tomar conta da floresta - respondeu a fada - e uma promessa é uma coisa muito importante.
Então as andorinhas fitaram-na com olhos pretos duros e
brilhantes, e com um ar severo disseram:
- Oriana, não mereces ter asas. Tu não amas o espaço e
desprezas a liberdade.
Oriana baixou a cabeça e respondeu:
- Eu fiz uma promessa.
As andorinhas viraram-lhe as costas e não fizeram mais caso
dela.
Mal a velha acabou de vender a sua lenha saiu da cidade,
acompanhada pela fada, e voltaram as duas para a floresta.
Quando lá chegaram era quase meio-dia. Oriana separou-se da
velha e foi a casa do lenhador.
O lenhador era muito pobre. Na sua casa só havia uma cama, uma
lareira, uma mesa e três bancos.
A porta estava aberta porque não havia ali nada que valesse a
pena roubar.
Oriana, antes de entrar, apanhou do chão três pedrinhas
brancas.
A casa estava muito arrumada porque a mulher do lenhador
gostava de fazer tudo muito bem feito. Além disso, havia ali
muito pouco que arrumar.
Oriana deu a volta à casa para ver o que faltava.
Abriu a gaveta do pão e viu que ainda havia pão, por isso
tornou a fechá-la.
Depois abriu a gaveta da roupa. A roupa, que era pouca e
pobre, estava toda limpa e cosida. Mas havia uma blusa tão velha e com tantos buracos que, mesmo depois de cosida, estava
rota. Oriana pôs uma pedrinha branca dentro da gaveta,
tocou-lhe com a sua varinha de condão e a pedrinha
transformou-se numa blusa nova.
A seguir, Oriana abriu a caixa do dinheiro e viu que estava
vazia. Pôs lá dentro uma pedrinha branca e transformou-a numa
moeda nova muito redonda.
E debaixo da mesa estava a bola do filho do lenhador. Oriana
pegou-lhe e viu que estava toda estragada. Então pôs debaixo
da mesa a última pedrinha branca e transformou-a numa bola
nova.
E quase todos os dias Oriana ia a casa do lenhador. Levava
sempre três pedrinhas brancas e transformava-as nas coisas que
faziam mais falta. E a mulher do lenhador dizia ao marido:
- Quem será esta pessoa tão boa que vem a nossa casa quando eu
vou sair e que me traz as coisas de que eu preciso?
Oriana saiu da casa do lenhador e pensou:
"Hoje ‚ dia de feira, o moleiro foi à cidade vender a farinha.
A mulher foi com ele e levou os onze filhos. Vou a casa deles
ver o que lá falta."
E foi a casa do moleiro.
A porta estava fechada à chave, mas Oriana tocou na fechadura
com a sua varinha de condão e a porta abriu-se.
A casa estava toda desarrumada. Estava tudo de pernas para o
ar e tudo coberto de farinha Estava tudo fora do sitio. Porque
a mulher do moleiro tinha onze filhos e era muito desordenada
e distraída, e nunca tinha tempo para nada. Se não fosse
Oriana não se poderia viver naquela casa.
Oriana entrou e olhou à sua roda. Suspirou ao ver tanta
desordem. Depois foi buscar uma vassoura e um espanador e varreu e limpou a casa toda. Com a sua varinha de condão colou as coisas partidas. Lavou a loiça e arrumou-a nos armários. Escovou os fatos e pendurou-os. Coseu toda a roupa que estava dentro do cesto da roupa e arranjou os brinquedos
partidos.
Quando acabou de fazer tudo isto, olhou à sua roda. A casa
estava linda, cheia de ordem e de limpeza. Então Oriana sorriu
e foi-se embora.
E quase todos os dias Oriana arrumava a casa do moleiro. Mas a
moleira nunca percebia que tinha ali estado uma fada, porque
saía sempre de casa atrasada e a correr, e como era muito
distraída não reparava que deixava tudo desarrumado e de
pernas para o ar. E quando chegava a casa não se espantava
nada de encontrar tudo em ordem, porque não se lembrava de que
tinha deixado tudo fora de ordem.
Oriana saiu de casa do moleiro e foi a casa do Homem Muito
Rico.

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